Que histórias tens para contar?

“Que histórias tens para contar?”

Tive hoje, inesperadamente, uma conversa com uma pessoa com idade para ser minha mãe, e com quem nunca tinha falado. No meio de muitos tópicos, uma frase ficou comigo – quando ela diz que, quando o filho lhe pergunta que histórias é que ela tem para contar, ela responde, muitas vezes, que não tem. E que quer ter. 

Fiquei ali uns minutos a mastigar isso, e ao ver uma sra. a querer romper com a sua rotina, a querer construir novas realidades, e a dar um passo que é ousado. A querer ter (mais) histórias, a querer viver mais, e com isso conectar-se mais. 

Eu vejo a experiência humana como o sermos largados no meio de um oceano, sem qualquer terra à vista em qualquer das direcções. Não há um caminho certo. Não há grandes soluções, nem grande coisa faz grande sentido. Mas vejo isso, acima de tudo, como uma oportunidade. Como uma oportunidade de nadarmos numa qualquer direcção, de acordo com o que valorizamos, de acordo com os objectivos que queiramos atingir. Há alturas em que teremos correntes na direcção oposta, mau tempo, tubarões – obstáculos inimagináveis, até, e muitos deles inevitáveis. Ficamos cansados. Há alturas em que nada parece fazer sentido. E podemos com tudo isso continuar a nadar na mesma direcção, podemos tentar encontrar correntes mais suaves, ou mesmo até seguir um qualquer navio que passe no horizonte. Mais uma vez, qualquer opção é viável. O que não podemos é estagnar, e afundar. É quando isso acontece que a vida deixa de fazer sentido, e passa a ser um caixão já aberto, à espera do último fôlego de um corpo que é já um veículo vazio.

É também por isso que eu defendo, e sempre defenderei, a liberdade absoluta de cada um. O poder caminhar pelos seus próprios passos, e trilhar o caminho que faz mais sentido hoje, mesmo que amanhã pareça absurdo. O não ter de fazer o que seja apenas por convenção, mas porque o sentimos, porque faz sentido. Mas é também aqui que atingimos um ponto onde há uma ligeira mas muito significativa diferença – entre o tomarmos as nossas decisões, o estar bem e com isso moldar a realidade que nos rodeia, para chegarmos a uma zona de conforto, e o estar estagnado – o não ter vontade de nada mais, o não ter uma faísca que acrescente algo mais ao nosso propósito. O passar os dias à espera que os dias passem. 

Uma das grandes dificuldades que tenho quando estou por cá tem que ver precisamente com isso. Sinto muitas vezes que paro. Que estagno. Que me afundo. Que mais do que não haver realização profissional ou pessoal, sinto que não há realização humana. Quando estou com as pessoas com quem cresci, e que sempre fizeram parte da minha vida, sinto que falamos linguagens diferentes. A minha realidade, as minhas vivências, são um corpo estranho para elas, e fruto das circunstâncias não fazem grande sentido. O contrário também acontece – o que foi por cá vivido, a forma como a vizinhança e família evoluíram, as coisas mais triviais do dia a dia. E, por muito eloquente que possamos ser com as palavras, jamais conseguiremos que os outros percebam o que vivemos, e como isso nos afectou. A nossa forma de estar. A nossa forma de sentir. Há histórias, de ambas as partes, mas com guiões completamente diferentes.

Não há aqui qualquer juízo de valor, entenda-se. Mas, muitas vezes, apesar de todo o amor e carinho que nos une, falta encontrar um ponto de equilíbrio que nos permita continuar a ter uma relação bonita e genuína. Vamos, pouco a pouco, ficando cada vez mais distantes. E com essa distância, a única coisa que perdura é uma ou outra memória, mas com isso se perde o presente.

Almada dizia que “até hoje fui sempre futuro”. E temos de ser o presente. Sempre o presente. Só assim chegaremos ao futuro. As correntes podem não parar, as tempestades podem continuar a aparecer, mas chegaremos sempre onde queremos chegar.

05.01.18

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